Cresceu 75% nos últimos quatro anos o empréstimo com desconto em folha, principalmente entre aposentados e pensionistas do INSS. Para evitar o superendividamento, o Ministério da Previdência Social estabeleceu normas sobre o assunto
Pegar dinheiro emprestado via crédito consignado virou hábito entre trabalhadores e aposentados brasileiros. Comparando o saldo disponibilizado nos últimos quatro anos, a modalidade cresceu 74,85% entre os servidores públicos e 113,8% entre os trabalhadores da iniciativa privada, de acordo com os dados do Banco Central.
Os juros mais baixos do que os praticados no cheque especial, a possibilidade de tomar dinheiro emprestado com o nome sujo e o desconto das parcelas diretamente na folha de pagamento — o que dá a falsa sensação de que o consumidor não está pagando a dívida — contribuíram para a popularização do consignado.
Com mais pessoas tendo acesso a essa modalidade de crédito, cresce a quantidade de problemas e, consequentemente, a preocupação das associações de consumidores. A Proteste, por exemplo, recebeu reclamações de 14 unidades da Federação sobre a dificuldade de clientes em pedirem liquidação antecipada da dívida, direito garantido pelo Código de Defesa do Consumidor. “Os bancos estão dificultando a vida dos consumidores, não fornecem informações, dificultam a negociação. Diante dessa situação, a Proteste enviou na semana passada um relatório para que o Ministério Público nos ajude”, afirmou a coordenadora institucional, Maria Inês Dolci.
Para o professor de direito do consumidor da Universidade Católica de Brasília Emerson Mazullo, o cliente, a fim de evitar ciladas, deve ter o máximo de informações sobre o contrato assinado. Entre os itens importantes, estão os tipos de taxas envolvidas na transação, o custo final a ser pago e os impostos. “É importante ficar atento se existe alguma cláusula de capitalização de juros, isto é, o direito da instituição financeira de cobrar mais juros do que os praticados”, alerta Mazullo.
Desde 2004, o crédito consignado passou a ser oferecido para aposentados e pensionistas do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS). Com o desconto direto na folha de pagamento, as instituições financeiras abaixaram os juros pela certeza do recebimento. E a modalidade não só pegou como expandiu-se. Atualmente, segundo norma do Banco Central, qualquer banco pode oferecer o consignado, independentemente de a conta salário do funcionário estar ou não naquela instituição.
Para evitar abusos, o Ministério da Previdência elaborou instrução normativa sobre o assunto, limitando, por exemplo, quanto o beneficiário pode comprometer do salário (veja infográfico). O consignado cresceu também entre os servidores públicos, que têm acesso a empréstimos desse tipo por causa de sua condição legal de estatutário. Entre os funcionários da iniciativa privada, o saldo disponível sempre foi menor porque ele pode ficar desempregado — o que aumenta o risco de o banco não receber a quantia emprestada.
Intervenção
A taxa média anual do consignado até setembro está em 23,8%, enquanto a do cheque especial, por exemplo, está a 147,62%. Essa diferença exorbitante fez o bombeiro militar Igor Diego Thiago Santiago Aragão, 29 anos, apostar na modalidade para conseguir dinheiro e quitar as dívidas da construção de uma casa em Valparaíso.
Atualmente, o militar tem mais de 50% da renda comprometida com três consignados de instituições diferentes: BRB, Caixa e Banco Cruzeiro do Sul. A dor de cabeça veio com o Cruzeiro do Sul.
Igor tinha uma dívida de R$ 5,8 mil, que não conseguia pagar. No fim do ano passado, procurou o banco para renegociação. Pelo acordo, teria que quitar 26 parcelas de R$ 373, sendo R$ 290 descontados em folha e os outros R$ 83 pagos via boleto bancário.
O bombeiro pagou o valor de janeiro a julho, quando recebeu uma notificação do banco anunciando que a dívida tinha sido reformulada em 49 parcelas de R$ 289,31. “O valor ficou muito mais alto do que no início. Tentei falar com o 0800 e me mandaram ir para a agência de Goiânia. Quando cheguei, soube que o banco está sob intervenção do Banco Central. Enquanto a situação não é resolvida, essa quantia está sendo descontada. Vou ter que procurar a Justiça”, desabafa.
Procurado pelo Correio, o Banco Cruzeiro do Sul explicou que não se trata de novo parcelamento, mas, sim, de adequação do saldo devedor ao limite da margem disponível e ao número de parcelas necessárias para a quitação do débito.
Fonte: Correio Braziliense