O projeto de decreto legislativo que acaba com a mordomia do 14º e do 15º salários para parlamentares começa a tramitar de fato na Câmara nesta semana, ao chegar à Comissão de Finanças e Tributação (CFT). Terá, entretanto, de enfrentar percalços antes que o debate ganhe fôlego na Casa. Os líderes de partidos governistas estão se amparando na agenda de votações da Câmara para evitar a votação do requerimento de urgência que poderá agilizar a tramitação do texto. O líder do PTB, deputado Jovair Arantes (GO), por exemplo, diz que só reunirá sua bancada para decidir uma posição unificada sobre o tema depois que o plenário da Câmara votar a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) do Trabalho Escravo.
“Não estamos com pressa para tratar desse assunto”, afirma Arantes, que diz não ter data prevista para que o assunto entre na pauta de discussão da legenda. O líder do PT, Jilmar Tatto (SP) é taxativo. “Não vamos tratar sobre isso tão cedo”, afirma. A resistência de parte dos deputados em levar o tema ao plenário começa pelo próprio presidente da Casa, Marco Maia (PT-RS), que evita se pronunciar sobre o projeto. Nos bastidores, os líderes partidários ainda hesitam em considerar como relevante a pressão popular pelo fim da regalia e tecem críticas aos colegas que se anteciparam ao plenário e já abriram mão do benefício.
A situação não é diferente no PP. O líder do partido na Câmara, Arthur Lira, disse que o assunto ainda não foi debatido na bancada porque existem outras duas prioridades na fila. O líder se apressa em citar como exemplo a PEC do Trabalho Escravo, que deve ir a plenário em sessão extraordinária na terça-feira. Outra pauta considerada prioritária pelo partido é a conclusão do relatório do deputado Carlos Zarattini (PT-SP) sobre a divisão dos royalties do petróleo. “A bancada tem muitos parlamentares de municípios confrontantes que estão mais focados nesse assunto, no momento”, explica.
Nesta quarta-feira, Lira levará a discussão sobre o fim do 14º e do 15º para a reunião semanal da bancada, mas não garante que o assunto seja resolvido no mesmo dia. Líder da bancada, prefere adotar uma postura de cautela e não se posicionar. “Às vezes, a posição individual do deputado é uma e a da liderança é outra. Eu prefiro não constranger nenhum deputado”, diz o líder que, contudo, acredita que a maioria apoiará o projeto. “Não estou vendo polêmica com relação a isso não. É só o tempo de chegar para discussão”, sustenta. O PSB, também sem posição definida sobre o projeto, deve discutir o tema na reunião semanal amanhã. Já na bancada do PPS, a orientação já está fechada a favor do projeto. A legenda encabeçou a coleta de assinaturas para apresentar à Mesa Diretora da Casa requerimento de urgência para a tramitação do texto. O próximo passo agora será pressionar para que o texto seja colocado logo em votação.
Polêmica
A agenda que deve ocupar o plenário da Casa nas próximas semanas é recheada de temas polêmicos. Além da PEC do Trabalho Escravo, que ainda esbarra em uma demanda da bancada ruralista por uma definição mais branda do que é considerado como condição análoga à escravidão, a Casa ainda tem pela frente a Medida Provisória 556, que incluiu artigo para flexibilizar o regime de licitações para obras do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC). E o projeto de lei Anticorrupção, que prevê a responsabilização jurídica de empresas que pagam propina a servidores públicos e prevê a delação premiada para quem denuncia atos de corrupção.
Ainda assim, para o Diretor de Documentação do Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar (Diap), Antônio Augusto Queiroz, nenhum desses projetos pode ser considerado como motivo para tirar a discussão sobre os salários extras da lista de prioridades da Câmara. A decisão do plenário da Casa irá selar o destino de uma prática que gera para o Parlamento uma despesa da ordem de R$ 31,7 milhões por ano e poderá ter um efeito cascata sobre as Assembleias Legislativas estaduais e Câmaras de Vereadores em todo o país. “Mesmo com essa hesitação inicial, acredito que a Câmara não irá segurar a pressão da sociedade por uma providência em relação a esse benefício durante muito tempo”, diz Queiroz. “No início, esse jogo de empurra é normal, todo mundo dirá que faz parte do rito. Com certeza, até o recesso em 17 de julho há tempo mais do que suficiente para votar, ainda que dependa de espaço na agenda.”
Direitos humanos
A PEC do Trabalho Escravo, que deve ser apreciada pelo plenário da Câmara nesta semana, prevê a expropriação de terras nas propriedades onde forem encontrados trabalhadores em condições análogas à escravidão e enfrenta uma dura resistência da chamada bancada ruralista da Casa. A falta de consenso em torno do tema fez o texto da proposta, já aprovada pelo Senado, esperar por oito anos desde a votação em primeiro turno da PEC na Câmara. O foco dos ruralistas é garantir a alteração na redação do Código Penal para flexibilizar a definição do que seria a condição análoga à escravidão. A hipótese, todavia, é rejeitada pelas bancadas de diversos partidos, incluindo o PT, o que deve fazer o texto chegar ao plenário sem acordo nem sequer dentro da bancada governista, apesar do Planalto ter incluído a PEC entre as prioridades da agenda de direitos humanos.
“Às vezes, a posição individual do deputado é uma e a da liderança é outra. Eu prefiro não constranger nenhum deputado” Arthur Lira, líder do PP na Câmara
Fonte: Correio Braziliense