Números há pouco divulgados pelo Departamento Intersindical de Estatísticas e Estudos Socioeconômicos (Dieese) chamam a atenção, mais uma vez, para a urgência de regulamentação do direito de greve de servidores públicos civis. Em 2009 houve 518 greves, o maior número no País desde 1978, com 266 no setor privado, ou 51,5% do total, número ligeiramente superior às 251 greves do setor público – aí incluídas as empresas estatais. Os efeitos da crise de 2008/2009 foram fatores determinantes das greves, que afetaram especialmente a indústria. Em 2010, porém, o setor público passou a liderar em número de greves, tendo deflagrado 269 paralisações, 60% do total de 448.
Isso, porém, não diz tudo: a soma das horas paradas dos funcionários do governo e das empresas sob seu controle foi de 38.085, representando 84,8% do total de horas não trabalhadas de todos os movimentos grevistas ocorridos em 2010 (44.910). E, como de praxe, os grevistas condicionaram o retorno ao trabalho ao pagamento das horas paradas e quase sempre o pleito foi atendido – principalmente porque 2010 foi um ano eleitoral.
Não foram ainda computados os dados relativos a 2011, mas o levantamento indica uma tendência muito preocupante. Com tantas greves e horas não trabalhadas, a máquina do governo, que não prima pela eficiência, é ainda mais emperrada e aumentam os gastos de custeio, comprimindo a margem para investimentos públicos, em prejuízo de todos os cidadãos. Contudo, decorridos mais de 23 anos da promulgação da Constituição de 1988, persiste uma lacuna técnica, no dizer dos juristas, quanto às greves de servidores públicos. Segundo o entendimento do Supremo Tribunal Federal (STF), enquanto não existir uma lei complementar específica para o servidor público, as greves da categoria devem reger-se pela Lei 7.783/89, que regulamentou as paralisações do setor privado. Essa omissão tem levado, com frequência, à intervenção da Justiça, para dirimir casos em que estejam ameaçados serviços essenciais à população. Essas decisões, muitas vezes tardias e controversas – há greves que duram meses -, incentivam novos movimentos, privando a população de serviços básicos a que tem direito.
O governo não tem se empenhado em preencher a “lacuna técnica”, fazendo aprovar no Congresso uma lei de greve do funcionalismo. Tramita, agora, no entanto, o Projeto 710/11, de autoria do senador Aloysio Nunes Ferreira (PSDB-SP), em exame na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado. O projeto ataca o cerne da questão, definindo com clareza os serviços que não podem ser paralisados, em hipótese alguma – abastecimento de água, fornecimento de energia, segurança pública, defesa civil, assistência médico-hospitalar, transporte coletivo, telecomunicações, serviços judiciários, etc.
Outro dos méritos do projeto é privilegiar a negociação entre os servidores públicos e Estado, só podendo ser decretada greve em casos extremos. Como consta na justificativa do projeto, “a ênfase é conferida à iniciativa de desjudicialização do conflito, seja por intermédio de negociação coletiva, envolvendo os servidores e o Estado, seja pelo recurso a métodos alternativos de solução do conflito como a mediação, a conciliação ou a arbitragem”.
Dependendo do tipo de serviço prestado, 50% a 80% dos servidores não poderão faltar ao trabalho, sob pena de a paralisação ser considerada ilegal. Caso não seja cumprido o porcentual mínimo para manutenção do serviço, será possível contratar terceiros. Além disso, só poderiam ser abonados, no máximo, 30% dos dias não trabalhados, se assim constar do acordo final. Este último dispositivo poderá aplicar-se também a serviços públicos privatizados, como fornecimento de eletricidade, ou de serviços de transporte a cargo da iniciativa privada, por meio de concessão.
Mais que os interesses da administração, trata-se de proteger os direitos dos cidadãos, que pagam impostos para sustentar os serviços públicos e os próprios salários dos servidores.
Fonte: Jornal Estado de S. Paulo