Força-tarefa para zerar inquéritos abertos até 2007 termina com 25% de apurações concluídas. Estados como Amazonas e Alagoas não resolveram um caso sequer
Um pacto lançado em 2010 por diferentes instituições ligadas ao combate à violência, chamado de Estratégia Nacional de Justiça e Segurança Pública (Enasp), instituiu o objetivo de concluir todos os inquéritos abertos no país até dezembro de 2007 referentes a homicídios dolosos. Hoje, no dia em que termina o prazo para o cumprimento da meta almejada, apenas 25% das 143.285 investigações em andamento tiveram algum desfecho. Mofam, nos escaninhos das polícias de todos os estados brasileiros, 107.122 procedimentos de apuração à procura dos responsáveis por assassinatos ocorridos até aquela data. Para piorar, dos 36.163 inquéritos em questão finalizados, 81% acabaram arquivados. Em apenas 16% dos casos, alguém foi denunciado.
Pela primeira vez organizadas no país em uma única base de dados, as estatísticas sobre as investigações policiais evidenciam dois problemas cruciais para a segurança pública nacional: lentidão nas apurações e impunidade, com inquéritos que no fim acabam arquivados. Dificuldade adicional está nas desclassificações, quando os investigadores chegam à conclusão de que houve outro tipo de crime, e não homicídio doloso. Roraima, que ostenta a melhor performance entre as unidades da Federação no percentual de casos concluídos, 99,6%, também tem um alto índice de desclassificação. Lá, 214 do total de 478 inquéritos, estoque inicial da meta da Enasp, acabaram sendo reclassificados como apurações de outros delitos.
Alagoas e Amazonas têm situações ainda mais preocupantes. Os dois estados não conseguiram finalizar nem um inquérito sequer. Eles somam, juntos, cerca de 8,5 mil apurações de homicídio doloso, instauradas até 2007, sem conclusão. O Distrito Federal está no meio do caminho, com 38,9% das 709 investigações que já deveriam ter sido finalizadas. Como os gestores locais poderão alimentar o sistema digital que acompanha a evolução da meta até o próximo dia 15, a conselheira do CNMP, que coordena o programa, Taís Ferraz, acredita que os números podem melhorar um pouco. Mas ela reconhece que ainda falta muito para atingir a meta de zerar os estoques de inquéritos, cujo prazo inicialmente havia sido marcado para dezembro de 2011 e depois, revisado para hoje, 30 de abril.
“Não haverá uma nova alteração do prazo. Vamos esperar até o dia 15 para termos o balanço final atualizado e, então, acionaremos os governadores e demais autoridades dos estados que ficaram muito distantes da meta para cobrarmos esse cumprimento. Não há uma punição administrativa, mas uma pressão institucional”, explica Taís. A conselheira ressalta que, pelo contato com as unidades da Federação, as dificuldades na apuração dos homicídios estão relacionadas à estrutura de pessoal e equipamentos. “Temos estados com falta de reagente químico para fazer uma perícia, sem delegado em quantidade suficiente. Houve um descaso em investimento nas polícias judiciárias estaduais. Por outro lado, ações simples de gestão podem contribuir. Uma delas é a comunicação integrada entre polícia, Ministério Público e Judiciário, que já começamos a incentivar com cursos.”
Dificuldades
Taís ressalta também, como ponto positivo da Enasp, o aumento nas elucidações de crimes. “Quando começamos, o dado com o qual trabalhávamos, de pesquisas pontuais, era de 8%, agora são 16%. Ainda são taxas muito baixas, se você pensar que nos Estados Unidos, na Inglaterra ou na França esse índice é superior a 80%. Mas o fato de começarmos a ter dados confiáveis já é um avanço”, destaca a conselheira do CNMP. Para Benito Tiezzi, vice-presidente parlamentar da Associação dos Delegados de Polícia do Brasil (Adepol) e presidente do sindicato da categoria no Distrito Federal, indaga sobre o resultado efetivo do mutirão. “Adianta finalizar 100% dos inquéritos apenas para ficar bem nas estatísticas, mas sem dar uma solução efetiva, ou seja, identificar e punir o culpado? Não é uma crítica, apenas uma reflexão”, pondera.
Ele ressalta também a complexidade do homicídio em relação aos outros delitos. “É um crime muito diferente. Não é praticado pelo criminoso contumaz, como o tráfico de drogas, por exemplo. Ocorre pelo ímpeto. Com o número pequeno de investigadores e dificuldades de equipamento, como podemos entregar o resultado que a sociedade espera?”, indaga Tiezzi. O presidente da Associação Brasileira de Criminalística, Iremar Paulino Silva, destaca que um colapso é vivido pelos setores de perícia nos estados. “Em alguns lugares, simplesmente não há equipe para se deslocar ao local do crime. Sabemos que, sem uma investigação preliminar de vestígios e de testemunhas, e quanto mais o tempo passa, fica mais difícil chegar à autoria”, afirma Silva.
Fonte: Correio Braziliense