08

ago/2014

Primeira!

Naiara Vicentini, a 1ª PRF de SC a se aposentar pela nova lei

“Minha aposentadoria tem um gosto todo especial, pois me sinto muito responsável pela conquista”. É assim que a 1ª policial rodoviária federal a se aposentar pela nova lei em Santa Catarina e 2ª no Brasil, Naiara Vicentini, define o novo – e especial – momento de sua vida.

Ao lado da PRF Nadja Cláudia Lopes Vianna, ambas filadas ao SINPRF/SC, Naiara protocolou seu pedido de aposentadoria no dia 16 de maio, pouco depois da sanção do Projeto de Lei Complementar 275/2001  (Lei 144/2014), que regulamentou a aposentadoria especial para a mulher policial.

Naiara sempre foi lotada na circunscrição da 8ª Superintendência da PRF em Santa Catarina. Trabalhou basicamente na Grande Florianópolis, mas as várias capacitações que fez contra a criminalidade a levaram para diversas regiões do Brasil.

Aposentada desde a publicação de seu processo no Diário Oficial da União (DOU) do último dia 07 de julho, contribuiu 20 anos para o serviço público e cinco anos e nove meses para a previdência.

Um pouquinho da PRF, agora aposentada

Naiara é casada há 14 anos com outro PRF, Alexandre Cardoso, com quem têm dois filhos, Luís Filipe, de 15 anos e Maria Luísa, de nove.

Durante sua carreira como PRF, Naiara fez parte do grupo de Operações Especiais por cinco anos, foi campeã de tiro em diversos campeonatos internos e sempre foi engajada na luta pela igualdade entre homens e mulheres na corporação. Uma delas, a que resultou na regulamentação da aposentadoria feminina:

“Em meados de 2001, com poucas colegas, algumas da Polícia Federal e outras da Polícia Civil, já trilhávamos os caminhos do Congresso, batendo de porta em porta dos congressistas com a intenção de que eles reconhecessem esse direito. Foram aproximadamente 13 anos de lutas, de idas e vindas, de muita discussão e conversas”, conta Naiara.

A seguir, conheça um pouco da estória dessa guerreira que deu o máximo de si, física e emocionalmente, à carreira de PRF. Que entre a família e os plantões, encontrou tempo para estudar e se formar em Psicologia e Direito, ambos pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC).

Que quando começou, sua equipe (masculina) lhe delegou funções como atender ao telefone e fazer o café e, agora, ela se aposenta antes de muitos deles. Naiara Vicentini, saiba por que ela é tão admirada por alguns ex-colegas, temida por outros e respeitada por muitos.

1 – Para você, qual é a sensação de se aposentar por meio de um direito recém-garantido, tem um gostinho especial?

Em meados de 2001, com poucas colegas, algumas da Polícia Federal e outras da Polícia Civil, já trilhávamos os caminhos do Congresso, batendo de porta em porta dos congressistas com a intenção de que eles reconhecessem esse direito. Foram aproximadamente 13 anos de lutas, de idas e vindas, de muita discussão e conversas. Nos últimos dois anos, essa batalha ganhou muitas adeptas, bem como a adesão de nossas entidades de classe. Os Sindicatos e nossa Federação. Nos últimos três meses, todas as polícias se uniram e conseguimos um movimento tão forte dentro do Congresso que o resultado não poderia ter sido outro. Hoje, aposentada, só tenho a agradecer a força das mulheres policiais.

2 – Para as policiais mulheres, o que esta conquista representa, na sua opinião?

Primeiramente representa a nossa união, a nossa força enquanto categoria. Também a correção de uma injustiça na medida em que está na Constituição Federal que a atividade policial tem tempo reduzido para a aposentação em função do risco do trabalho. Contudo, essa redução ocorria somente para os policiais do sexo masculino, já que as mulheres precisavam cumprir os 30 anos, como em qualquer outra profissão para se aposentarem, ou seja, de especial nada tinha. Com a nova legislação, não só se corrigiu a questão da aposentadoria especial como ficou consagrado que homens e mulheres tem tempos diferentes de aposentadoria, o que por exemplo, ocorre também nas aposentadorias da previdência social.

3 – Uma lembrança/situação especial de sua carreira na PRF?

Não tenho uma situação especial, tenho diversas. A carreira policial é muito dinâmica, não temos um plantão como o outro. A rotina não é uma constante, pelo contrário, a cada plantão situações muito diversificadas acontecem. Um momento marcante na minha carreira foi meu primeiro plantão com meu marido, que também é PRF. Ele sequer olhou pra mim ou me cumprimentou. Isso em meados de 1998. E explico porque: minha turma foi a primeira turma de mulheres concursadas na PRF. De um efetivo de 305 policiais que entraram em SC, apenas 47 eram mulheres. Grande parte delas ficaram, e até sem escolha, na área administrativa. A turma de 1994 trouxe uma revolução para a PRF em termos nacionais. No Brasil o efetivo era de aproximadamente 5 mil servidores. Como nossa entrada, esse número quase duplicou, então era necessário que alguns servidores ficassem no setor administrativo para dar conta dos trabalhos de gestão de tantas pessoas. Em SC o numero de servidores passou de 175 para 480, imagina a confusão. Fiquei três anos trabalhando no Setor de Recursos Humanos, o que não me permitiu desenvolver minhas habilidades operacionais como policial, tais como, atendimento de acidentes, combate ao crime, verificação de adulteração de carros etc. Assim, quando fui trabalhar com meu marido, chegava no plantão uma policial “administrativa”, e ele, bem como seus companheiros não gostaram nada nada!!! Cheguei no meu primeiro plantão crua, sem prática operacional. As funções iniciais a mim atribuídas pela equipe  foram: atender o telefone e fazer o café. Rsrsrs. O mundo policial é um espaço extremamente machista e masculino. Foram muitos plantões, muito trabalho para mostrar que eu podia desenvolver minhas atividades de uma forma coerente e efetiva para a sociedade.

E no fim, meu marido reconheceu que eu também podia ser uma policial operacional e estamos juntos há 14 anos. Mas depois de iniciada minha carreira operacional, nunca mais pareceu. Fui campeã de tiro por diversos campeonatos internos, me capacitei para trabalhar com a criminalidade. Por 5 anos me juntei a equipe de Operações Especiais, fiz cursos de resistência, enfim, dei o meu máximo tanto físico quanto emocionalmente.

5 – Alguma situação triste que mexeu bastante com você como mulher, como pessoa, durante seu trabalho na pista?

Inúmeras situações me deixaram triste, muita lágrima derramada, muita terapia paga. Não é a toa que a atividade policial é atividade de risco. Nossos momentos de trabalho interferem diretamente na vida das pessoas e principalmente com as emoções delas. E descrevo, situação N.1 – multar um cidadão mexe com valores monetários, com o comportamento inadequado dele e estar nessa situação para um policial é geralmente momento de estresse. Ninguém quer ser multado, ninguém quer ter apontado um erro seu por um estranho e é isso que a gente faz diariamente. A cada multa um caso, uma vida, uma pessoa, um sentimento, uma situação relatada. Gente chorando, gente mentindo, gente debochando, gente te xingando e o policial tem que se manter firme, sem revidar, tentando manter a calma e o equilíbrio, porque se ele disser ou fizer qualquer coisa que vá contra a lei, ele será punido. E veja,  toda essa descrição que fiz por uma multa! Aplicamos diversas por dia, e então sofremos diversas vezes ao longo de um plantão. Situação N.2 – acidente de trânsito – pessoas com raiva, com angústia, com dor, morte, feridos. Um acidente é sempre uma situação de estresse elevado. Precisamos dar conta da situação do acidente, de verificar as vítimas, de fazer o levantamento dos dados para a confecção do Boletim de Trânsito (documento oficial de total responsabilidade, que muitas vezes chega na esfera judicial), de evitar um novo acidente na rodovia, de cuidar dos pertences das vítimas diante dos curiosos, UFA! É tanto detalhe e tanta responsabilidade que o policial precisa ter saúde mental apurada e também saúde física. Situação N.3 – abordagem a suspeitos. Situações de criminalidade tem nossa redobrada atenção. Nunca sabemos quem são os integrantes do veículo, ou como sairão do mesmo. São realmente criminosos? Sairão do veículo armado? Tem algo escondido dentro do carro? Enfim, em situações dessa natureza precisamos de policiais treinados, equilibrados. São momentos de tensão, e um erro, ou um descuido podem ser fatais. Então, nessas situações passei muito momentos de tristeza. A vida policial em si é uma vida triste. Segundo dados da ONU é a segunda profissão mais estressante do mundo, só perde para controladores de voo. Também é uma das profissões que mais deixa sequelas nos servidores. Diante das situações que descrevi acima, muito policiais perdem o equilíbrio, perdem suas vidas, ou, não conseguem lidar com elas no seu dia a dia e acabam procurando fugas, como o álcool e até as drogas. Formas de fugir da dor, de lidar com a angústia de às vezes falhar. E para algumas situações a nossa falha pode resultar em perda de vidas.

6 – Atuou em quais cidades/estados?

Em 1995 me formei em Psicologia na Universidade Federal. Formação acadêmica que em muito contribuiu para que conseguisse superar minhas dificuldades e aceitar as falhas do sistema. Após iniciar na área operacional, senti que precisava mais conhecimento. Então em 2002, também na Universidade Federal me formei em Direito. Ainda em 2002 também me capacitei como Instrutora de nosso Departamento. As capacitações me fizeram participar de diversas comissões de trabalho. Permitiram que eu viajasse ministrando aulas. Dos vários projetos que me envolvi, destaco dois deles. O primeiro foi a participação na Comissão de Implantação do Termo Circunstanciado. Um instituto jurídico que permite hoje que nós policiais PRF’s ao verificar alguns tipos de crimes nas rodovias federais, possamos, a partir de tal verificação, fechar o que chamamos de “círculo completo de policia”, ou seja, constatamos o crime, lavramos o Termo Circunstanciado, este é encaminhado diretamente para a esfera judicial, sem que outra corporação agir. O cidadão comete o delito e vê a punição no mesmo momento da nossa presença. Flagramos o crime e autuamos no momento da sua ocorrência. Muitos foram as conquistas através deste instituto jurídico para a PRF, dentre elas o de acompanhar a punição para àqueles que cometem crimes nas rodovias federais. O Estado de SC foi o primeiro a implantar esse projeto no Brasil e como os estudos começaram com nossa equipe, ela foi chamada para dar suporte ao Departamento em Brasília. Participei da Comissão Nacional de implantação nos outros estados. O segundo projeto que destaco é o Projeto SALVAR. Nos últimos 6 anos na PRF me voltei para a área de Atendimento Pré Hospitalar. Cursei Pós Graduação em Emergências Médicas e com outros colegas da área de saúde montamos um curso de atendimento pré hospitalar para ser ministrado gratuitamente para a comunidade. No inicio do projeto não existia a Concessionária na rodovia, então ministramos aulas para a comunidade como uma forma de tê-la conosco quando do salvamento de vítimas nas rodovias. Foi um projeto sensacional, que formou em três anos, mais de 250 socorristas e que ajudaram no salvamento de muitas vidas nas rodovias federais catarinenses. Outras tantas viagens aconteceram em função de missões operacionais, as quais também me permitiram conhecer muito o meu Estado e também outros. Minha última viagem foi agora em maio/junho a serviço pela Copa. Fiquei na cidade de Curitiba.

7 – Por que escolheu ser PRF?

Rsrs…não escolhi ser PRF. Meu pai tinha um amigo PRF que um dia foi lá em casa nos visitar e comentou com meu pai que as inscrições para o cargo estavam abertas. Isso em 1993. Eu já cursava Psicologia na UFSC e tinha dificuldades em arranjar emprego por conta da minha grade de aulas. Tinha aulas de manhã,  tarde e até a noite. Ele esclareceu que o trabalho era na forma de escala e que existia horário para estudante. Não pensei duas vezes, apesar de o salário ser uma miséria, pelo menos eu iria ter um emprego compatível com meus estudos. E assim fui. Mas não  tinha nada planejado.

8 – O que pretendes fazer nesta nova etapa da vida?

Primeiramente ficar em casa!!! Assim, sem fazer nada. O último cartão do dia das mães que minha filha me entregou dizia bem assim: “mãe, eu te amo muito, mas queria que você ficasse mais tempo comigo”. É de cortar o coração. Então a prioridade agora são meus filhos, Maria Luisa de 9 anos de Luis Filipe de 15 anos. Mas, como quem me conhece sabe que não sou do tipo paradona, logo logo me encaminho para um novo projeto.

Podem até falar: mas como uma pessoa tão jovem está aposentada!? Bom, se eu tenho hoje 25 anos de trabalho é porque comecei muito cedo no batente. Com 11 anos, filha de pedreiro e mãe do lar, com mais três irmãs, caso eu quisesse uma roupa diferente ou um passeio a mais eu teria que me virar. Então aos 11 anos eu arranjei um trabalho de doméstica.Na casa cuidava de três crianças de 0 a 5 anos, lavava os carros dos vizinhos e me virava para conseguir um dinheiro a mais. Até os 14 trabalhei em casa de família. Após, ainda com 14 anos tive meu primeiro emprego formal, “daqueles de carteira assinada” e então passei a contribuir desde então para a previdência. Hoje vivo os louros dessa labuta, mas lhe digo, chorei muito quando menina.Minhas amigas, após a escola iam brincar, passear e eu tinha que trabalhar. Fiz  todos os meus estudos de primeiro e segundo graus trabalhando, e todos em escola pública. Acordava às 6h da manhã e dormia 00h. Isso me traz uma sensação de dever cumprido, de vitória. Posso me dar ao direito de ficar uns meses sem fazer nadinha.

9 – Uma mensagem para as mulheres que desejam ser PRFs?

Olha, operacionalmente falando, pensem muito, muito mesmo se a área policial é aquela dos seus sonhos. Eu não recomendo.

10 – Qual o maior desafio que enfrentou nesta profissão?

O maior desafio é ser mulher dentro de uma corporação criada para ser masculina. Quando eu entrei na PRF em 1994 sequer banheiros femininos existiam. Até bem pouco tempo, coisa de dois anos, vários postos não tinham banheiros e alojamentos femininos. Tem menos de cinco anos que os uniformes foram traçados pelo gênero. Durante anos vesti calças, coletes e todos os apetrechos masculinos. Muita coisa melhorou nesses últimos vinte anos. Contudo, ainda temos poucas mulheres nas chefias, nos sindicatos.

SAIBA

O que diz a Lei 144/2014 

A aposentadoria será concedida à policial com mais de 25 anos de trabalho, sendo pelo menos 15 de atuação na polícia. Antes, o tempo de serviço exigido era o mesmo para homens e mulheres da categoria: 30 anos, com pelo menos 20 anos no serviço estritamente policial.

A quem beneficia

A nova lei vale para cerca de quatro mil servidoras das polícias Rodoviária Federal, Federal e Civil.

Fonte: SINPRF/SC

COMPARTILHAR