O reajuste de 22% nos salários dos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) pode causar um tsunami nas contas públicas em 2015. Como o subsídio corresponde ao teto salarial do funcionalismo, o aumento tende a gerar um efeito dominó em todo o Judiciário e nos demais poderes. O pedido de reajuste corresponde ao período de janeiro de 2009 a junho deste ano. Como comparação, a inflação (IPCA) acumulada de janeiro de 2009 a junho passado chega a 36,7%.
Aprovada no último dia 28/08, a proposta amplia a remuneração dos ministros de R$ 29,4 mil para R$ 35,9 mil. Mas precisa passar pelo Congresso. Detalhe: graças a outra lei, eles já têm a garantia de que seu ordenado passará a pelo menos R$ 30,9 mil no próximo ano. Além disso, aguardam a votação da PEC da Magistratura, que institui um adicional por tempo de serviço a juízes e promotores.
Na justificativa para o acréscimo de 22%, o presidente da Corte, Ricardo Lewandowski, citou as perdas inflacionárias e projetou a repercussão financeira da medida, limitando-se ao Judiciário federal: R$ 646,3 milhões em 2015, dinheiro suficiente para a construção de 400 creches. Na prática, o impacto será muito maior. “A Constituição define o subsídio do ministro do STF como teto. A partir do momento em que o teto atinge novo patamar, todas as classes e categorias passam a pressionar por aumento e quase sempre conseguem”, explica o professor da FGV-Direito Rio, Ivar Alberto Hartmann, coordenador do projeto Supremo em Números. Nem todos os reflexos, segundo Hartmann, são automáticos. Em muitos casos, incluindo o do Rio Grande do Sul, os reajustes em cadeia dependem de leis estaduais. Mas há uma situação que impacta de imediato os cofres públicos.
Economista não vê espaço para alta
Hoje, nenhum servidor pode ganhar mais que R$ 29,4 mil, mesmo que seus vencimentos superem a cifra. Com a mudança, o limite se expande. Quem recebe mais do que os ministros, mas tem os ganhos cortados pelo “abate-teto” (mecanismo criado para impedir discrepâncias) será beneficiado. “Não sabemos ao certo o impacto real da medida. O certo é que um aumento como esse não tem o menor sentido. Estamos vivendo um momento de dificuldade na economia. Não sei nem se há espaço fiscal para isso”, afirma o economista Gil Castello Branco, da ONG Contas Abertas.
No fim de agosto, a União enviou ao Congresso a proposta orçamentária de 2015 com cortes que desagradaram o STF. Em resposta, o Ministério do Planejamento informou que o projeto dos ministros foi encaminhado como um “anexo” para deliberação. A decisão depende do Parlamento e de sanção presidencial.
Como funciona o efeito cascata
Os subsídios dos ministros do STF correspondem ao teto do serviço público nacional. Hoje, o teto é R$ 29,4 mil. Se o reajuste for aprovado, o teto passará para R$ 35,9 mil. Quando o valor aumenta, pode haver reflexos no Judiciário, no Ministério Público e nos poderes Legislativo e Executivo, inclusive nos Estados. Veja como isso ocorre
Judiciário
Esfera federal
O efeito é automático para os ministros dos tribunais superiores (que ganham 95% do subsídio dos ministros do STF). Os vencimentos da categoria estão amarrados aos dos magistrados do Supremo.
Esfera estadual
Desembargadores ganham 90,25% do subsídio mensal do ministro do STF, mas o aumento depende do que diz a legislação de cada Estado. Em alguns, o reajuste é automático. Em outros, como no RS, não: depende de projeto de lei na Assembleia.
Exemplo
Salário básico de um desembargador
Hoje: R$ 26,5 mil
Se aprovado reajuste: R$ 32,4 mil
Ministério Público
Esfera federal
O efeito é automático. Sempre que o STF envia proposta de reajuste ao Congresso, o Ministério Público Federal acompanha. O subsídio do procurador-geral da República, por exemplo, é o mesmo dos ministros do STF, e os reajustes da categoria também são escalonados.
Esfera estadual
Procuradores têm o salário limitado a 90,25% do subsídio mensal do ministro do STF, mas o aumento depende da legislação de cada Estado. Em alguns, a vinculação é automática. Em outros, como no RS, não: é necessário que um projeto de lei seja aprovado na Assembleia e sancionado pelo governador.
Exemplo
Salário básico de um procurador
Hoje: R$ 26,5 mil
Se aprovado reajuste: R$ 32,4 mil
Legislativo
Esfera federal
O reflexo não é automático, mas, em geral, quando a proposta do STF é aprovada, os parlamentares tendem a fixar, para a legislatura seguinte, o mesmo teto.
Esfera estadual
Em geral, deputados estaduais ganham até 75% do subsídio dos ministros do STF, mas os reajustes dependem da legislação de cada Estado. Em alguns, a vinculação é automática. Em outros, como no RS, não: é necessário um projeto de lei.
Exemplo
Salário básico de um deputado estadual
Hoje: R$ 20 mil
Se aprovado reajuste: R$ 24,4 mil
Executivo
Esfera federal
O efeito não é automático. Mas, em geral, quando a proposta é aprovada no Congresso, os parlamentares tendem a fixar, para o novo mandato do presidente, o mesmo teto. Isso também vale para os ministros de Estado.
Esfera estadual
O efeito não é automático. Na teoria, ninguém deveria ganhar mais que o governador (R$ 17,3 mil), mas há um entendimento de que o teto, no Executivo estadual, corresponde ao que ganha um desembargador (90,25% do subsídio do ministro do STF ou R$ 26,5 mil). Para reajustar o valor, só com lei aprovada na Assembleia e sancionada pelo governador.
Exemplo
Salário básico do governador
Hoje: R$ 17,3 mil
Se aprovado reajuste: R$ 21,1 mil
A questão do abate-teto
Hoje, nenhum servidor público pode ganhar mais que R$ 29,4 mil. Com a mudança proposta pelo STF, o limite vai aumentar. Funcionários que recebem mais do que os ministros, mas têm os vencimentos cortados pelo chamado abate-teto, poderão recuperar parte do salário — sem efeito retroativo. Isso é automático e vale para todas esferas e poderes.
Tempo de serviço vai trazer custo bilionário
Juízes e promotores aproveitam o período eleitoral para pressionar o Congresso. Articulam o pagamento de uma gratificação por tempo de serviço, prevista em uma proposta de emenda à Constituição que está no Senado. Contrário, mas emparedado pela disputa presidencial, o Palácio do Planalto negocia para, na definição do alto escalão do próprio governo, “desarmar a bomba”, que terá impacto bilionário nos cofres da União e dos Estados.
Engavetada em um Congresso esvaziado pelas campanhas, com chance de ser votada a partir do próximo mês, a PEC da Magistratura concede a juízes e membros do Ministério Público gratificação por antiguidade, mesmo que, na soma com o salário, o valor ultrapasse o teto constitucional – atualmente de R$ 29,4 mil, porém há uma proposta para chegar a R$ 35,9 mil.
Pelo texto, a cada quinquênio, ministros, desembargadores, juízes, promotores e procuradores de todo o país receberiam adicional de 5% ao salário, que chegaria ao limite de 35%, benefício estendido a aposentados e pensionistas.
No cálculo, seria possível usar o trabalho anterior à publicação da emenda e o período dedicado a outras carreiras jurídicas e a advocacia. Assim, pelos valores atuais, os vencimentos de um ministro do Supremo Tribunal Federal, teto do funcionalismo, chegariam a R$ 39,7 mil. Polêmica que provoca debates acirrados, como o ocorrido na Comissão de Constituição e Justiça do Senado que aprovou o texto, em maio. “Se abrirmos uma exceção, dificilmente seguraremos isso para outras carreiras”, alerta a senadora Gleisi Hoffmann (PT-PR).
Presidente da Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB), João Ricardo Costa projeta que, somente para juízes, o custo anual será de R$ 2 bilhões, valor que, segundo ele, não teria impacto tão grande no orçamento público. O magistrado considera defasados os atuais vencimentos da categoria e alega que o adicional, pago para outras carreiras do serviço público, reconhece a experiência do profissional.
No bolso do contribuinte
De autoria do senador Gim Argello (PTB-DF), a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) prevê o pagamento de gratificação por tempo de serviço aos membros da magistratura e do Ministério Público da União, Estados e Distrito Federal. A cada cinco anos, seria pago um adicional de 5% em relação ao salário. É possível acumular, no máximo, sete quinquênios (35%). O benefício se estenderia a aposentados e pensionistas. O cálculo de tempo de serviço levaria em conta trabalhos em outras carreiras jurídicas e na advocacia, inclusive em período anterior à publicação da emenda.
O texto prevê que a gratificação seria somada ao salário, permitindo vencimentos acima do teto constitucional, que é de R$ 29,4 mil. Nessa lógica, um ministro do STF, teto do funcionalismo, com direito a 35% de gratificação poderia receber R$ 39,7 mil mensais. O governo federal teme que a PEC tenha efeito cascata em outras categorias. Entre gastos de União e Estados, a conta poderia superar R$ 20 bilhões anuais. A PEC precisa ser aprovada em dois turnos no Senado para seguir à Câmara. Se não sofrer alterações, seguirá para sanção presidencial.
Fonte: A notícia