03

mar/2012

Sucatas do tráfico

Bens apreendidos de traficantes, avaliados em R$ 2 bilhões, demoram mais de 14 anos para serem leiloados. O desperdício prejudica o programa antidrogas do governo

Por: Izabelle Torres

DEPRECIAÇÃO
Carros ficam expostos ao relento, enquanto Executivo e
Judiciário transferem responsabilidades pelo atraso nos leilões

 

Depositado de forma precária em pátios  descobertos de delegacias e galpões improvisados, um patrimônio estimado  em cerca de R$ 2 bilhões espera para ir a leilão. São bens apreendidos  de traficantes nos últimos anos e que deveriam ser vendidos para  abastecer o Fundo Nacional Antidrogas, mas, em vez disso, se deterioram à  espera de decisões judiciais liberando a venda. As falhas dos órgãos  públicos responsáveis por promover os leilões elevam para mais de 14  anos a média de tempo de espera entre a apreensão e a alienação dos  bens. E esse prazo alentado consegue transformar belas mansões, veículos  de luxo e aeronaves em sucatas sem valor de mercado.

O retrato fiel da deterioração dos bens que deveriam reforçar o  patrimônio público foi mostrado, em detalhes, por duas auditorias do  Tribunal de Contas da União (TCU) concluídas no início de fevereiro. “Os  bens ficam estocados e armazenados durante longo período,  principalmente em pátios a céu aberto, aguardando o trânsito em julgado  da sentença e o leilão. Isso acarreta uma perda no valor econômico,  causando prejuízo para a União”, ressalta o ministro Aroldo Cedraz,  responsável pelo estudo.

A busca pelos gargalos nesse processo mostra um emaranhado de problemas e  expõe a dificuldade de sintonia dos órgãos oficiais quando o assunto é a  apreensão de bens de tra­fi­cantes. No Executivo, o entendimento é de  que a demora e os prejuízos são causados pelo Judiciário. A Secretaria  Nacional de Políticas sobre Drogas, ligada ao Ministério da Justiça, diz  que os juízes resistem a autorizar leilões antes do trânsito em julgado  dos processos. Uma postura que caminha na contramão da Lei 11.342/2006,  que prevê a alienação antecipada dos bens de traficantes e o depósito  do resultado em conta judicial até o fim do processo. “O problema é que  muitos juízes resistem a liberar a venda antes da condenação final.  Então, os bens se deterioram e perdem seu valor. Um carro de R$ 10 mil,  por exemplo, não vale mais nada após dez anos”, diz o delegado Silverio  de Andrade, diretor da Secretaria de Administração da Polícia Civil do  Distrito Federal.

Em 2010, o Conselho Nacional de Justiça chegou a expedir uma  recomendação destacando a importância de proteger o valor econômico dos  bens apreendidos. Mas não surtiu efeito. Na auditoria do TCU consta uma  pesquisa eletrônica feita com 186 juízes que atuam em varas criminais  nas regiões de fronteira. Nada menos do que 54% deles admitem nunca  autorizar os leilões de forma preventiva. No entendimento dos  magistrados, a culpa é do Ministério Público, que falha nos inquéritos  ao não pedir a alienação antecipada. Por conta dessa crítica, o Conselho  Nacional do Ministério Público prepara uma orientação para que seus  membros incluam o pedido nos inquéritos. No fim do ano passado, o  governo mandou ao Congresso um projeto de lei que obriga os juízes a  determinarem a realização dos leilões antes do fim do processo judicial.  Mas a proposta está parada e não possui sequer um relator. Enquanto  isso, o País joga no lixo investimentos que poderiam ser feitos com a  venda dos luxuosos bens dos traficantes.

 

IstoÉ

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