Presidente do Supremo, Ayres Britto defende transparência. Corte não vai acatar decisão de instância inferior determinando a retirada dos contracheques da internet
A divulgação dos contracheques de servidores públicos na internet se tornou uma queda de braço entre o Supremo Tribunal Federal (STF) e instâncias inferiores da Justiça. Por decisão liminar da 22ª Vara Federal do Distrito Federal, a publicação nominal dos salários é ilegal e deve ser suspensa imediatamente. Contrariada, a principal Corte do país decidiu ignorar completamente a determinação — desde a terça-feira, o STF já publica sua folha salarial na rede. Com o aval informal do Supremo, órgãos do Executivo também não seguiram a decisão.
A avaliação de ministros e especialistas é de que a medida cautelar concedida pelo juiz federal Francisco Neves tem argumentos frágeis e será derrubada em pouco tempo, pois a ampla transparência dada aos contracheques dos funcionários é uma realidade no Executivo e no Judiciário. Até ontem, três instituições federais já haviam liberado os dados na internet: Controladoria-Geral da União (CGU), Supremo Tribunal Federal (STF) e Tribunal Superior do Trabalho (TST). No fim da tarde, a Advocacia-Geral da União (AGU) pediu a suspensão da liminar no Tribunal Federal Regional da 1ª Região, no DF.
O STF, que abriu os contracheques de seus 1,7 mil funcionários, ministros e juízes, não seguirá a decisão cautelar porque a publicação foi aprovada por unanimidade pelos ministros da Suprema Corte. Além disso, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ), órgão de controle do Judiciário, publica hoje no Diário da Justiça as decisões aprovadas em plenário que alteram uma resolução sobre a transparência no Poder, incluindo a obrigação de os tribunais divulgarem nominalmente os vencimentos dos seus membros até o próximo dia 20. “É natural que, diante de uma lei tão culturalmente novidadeira, haja reações. No entanto, o princípio da transparência dará a palavra final”, disse o ministro Ayres Britto, presidente do STF e do CNJ.
O Supremo já analisou um caso semelhante que tratou da possibilidade de a prefeitura de São Paulo divulgar as remunerações dos seus servidores no site De olho nas contas. Após várias liminares e mandados de segurança com o objetivo de impedir a publicação dos dados, o Executivo paulistano ingressou com um pedido de suspensão, aceito pelo ministro Gilmar Mendes, então presidente da Corte, em julho de 2009. Mendes entendeu que a não divulgação das informações “geram grave lesão à ordem pública”. No município, os dados individuais são publicados há três anos.
Ônus
A AGU sustenta que não há qualquer inconstitucionalidade no decreto que regulamentou a publicação e na própria lei, pois ambos “apenas dão concretude a mandamento constitucional voltado para o amplo acesso à informação, controle dos gastos públicos e implementação da moralidade administrativa”. De acordo com a AGU, a divulgação da remuneração dos servidores não viola a sua privacidade, intimidade e segurança. A avaliação é de que a disponibilização dos dados constitui um ônus referente à natureza do cargo ocupado. O presidente do TRT, Mário César Ribeiro, deve analisar o caso nesta sexta-feira ou nos próximos dias.
Foram duas as medidas cautelares aceitas pelo juiz Francisco Neves, da primeira instância, durante a semana. Primeiramente, na terça-feira, ele acatou os pedidos da Confederação dos Servidores Públicos do Brasil para que a União não fizesse mais novas publicações de dados individualmente na internet. Na quarta-feira, ele ampliou a decisão para as informações já publicadas. Apesar da liminar, nenhum órgão cumpria, até a noite de ontem, a determinação.
Único Poder que ainda não colocou na internet os dados individuais de seus funcionários, o Legislativo não mudará os planos por causa da medida cautelar. Câmara e Senado prometem disponibilizar as informações no fim do mês. Já o Tribunal de Contas da União ainda analisa a situação.
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Como o senhor vê a decisão da 22ª Vara Federal de decidir retirar a publicação nominal dos servidores públicos federais da internet?
Vejo como uma decisão que tem poucas chances de prosperar. Até porque o STF já se manifestou favorável à divulgação, e isso, evidentemente, é o que deverá prevalecer no fim. Logo, vamos ter apenas uma perda de tempo e de papel, interpondo recursos, ações protelatórias. Mas é assim mesmo que funciona o estado democrático de direito. Paciência.
São dois os argumentos utilizados pelo juiz que proferiu a decisão. O primeiro de que a divulgação de salários de servidores do Executivo estaria ferindo o princípio da isonomia entre os servidores dos Três Poderes; o segundo é que a Lei de Acesso à Informação não determinava a publicação dos vencimentos na internet nominalmente. Como o senhor os avalia?
Os argumentos me parecem frágeis. Quanto ao primeiro, não há quebra de isonomia. Aliás, o Supremo Tribunal Federal já está publicando as remunerações e o Conselho Nacional de Justiça estendeu a divulgação para todos os tribunais. O presidente da Câmara dos Deputados anunciou que faria o mesmo em poucos dias. Logo, há uma convergência de todos os Poderes pela transparência das remunerações. Falar em “quebra de isonomia”, nesse caso, é o mesmo que dizer que o juiz não deve conceder uma pensão alimentícia a alguém dela necessitado se todos os demais juízes do país não se dispuserem a fazer o mesmo, no mesmo dia, para todos os outros necessitados. Já o segundo (argumento) não é melhor que o primeiro, pois ignora que o princípio básico contido na Lei de Acesso é justamente o acesso amplo e geral a todas as informações, excluídas apenas aquelas que ela própria excepciona, ou as excepcionadas em outras leis. Ora, como não há nenhuma norma legal vedando a divulgação das remunerações, é obvio que a lei autoriza divulgá-las. O decreto regulamentou apenas a forma de fazê-lo.
Haverá alguma mudança quanto ao formato da publicação dos vencimentos na internet?
Sim, como já informado anteriormente, nós vamos em poucos dias lançar os dados em formato que permita download e cruzamentos.
Na sua avaliação, a Lei de Acesso à Informação corre o risco de perder essa briga pela publicação dos salários, nominalmente, na internet?
De modo algum. Como disse antes, o próprio STF já revelou sua posição, no que já foi seguido pelo CNJ, que deu prazo aos tribunais para fazer a divulgação até o dia 20.
Qual é, de fato, a importância da publicação nominal dos vencimentos de todos os servidores públicos federais do Executivo na internet?
Se o salário é pago com impostos, o cidadão tem o direito de saber o que o governo faz com cada centavo, inclusive para cobrar a prestação do serviço público. Se todos nós, que pagamos impostos, é que custeamos os salários dos servidores públicos, nós somos os seus patrões em última análise. A divulgação nominal é um grande avanço, até porque a não nominal já divulgamos há muito tempo. É dever de prestação de contas do governo para a sociedade. É por isso que o entendimento no Executivo federal e da presidente Dilma é de que a divulgação de salário não é invasão da privacidade, é informação de interesse público. Não tem privacidade com dinheiro público. A regra é a publicidade.
Fonte: Correio Braziliense