A decisão do Supremo Tribunal Federal (STF), do Senado e da Câmara de divulgar o salário de todos os servidores, incluindo ministros e parlamentares, gerou questionamentos no âmbito jurídico por parte de entidades que representam os trabalhadores. Os sindicatos alegam que, além de representar risco aos funcionários, a publicidade dos contracheques com o nome de cada servidor fere o direito à intimidade, previsto na Constituição Federal. A forma como esses dados serão divulgados ainda não está clara, e especialistas se dividem quanto à legalidade da regra.
O STF foi o primeiro a anunciar que tornaria públicos os nomes dos funcionários com as devidas remunerações, incluindo benefícios extras. O entendimento dos ministros segue decisão tomada por Gilmar Mendes em 2009, quando ele considerou regular a publicidade dos salários de servidores do município de São Paulo. O mérito da questão, no entanto, ainda será analisado em plenário, e a decisão valerá para todo o país.
Enquanto o recurso não é julgado, porém, o caso divide opiniões. Os presidentes da Câmara e do Senado disseram que vão seguir o ato normativo a ser publicado pelo Ministério do Planejamento para regulamentar e esclarecer exatamente como os órgãos do Poder Executivo vão tornar acessíveis as remunerações individuais dos servidores.
O professor de direito constitucional da Universidade de Brasília (UnB) Paulo Blair defende que essa divulgação contraria um princípio constitucional: “Os servidores públicos são cidadãos como todos os outros e também têm direito à intimidade e à vida privada, previstos na Constituição”, justifica. Para Blair, a melhor saída seria fortalecer os órgãos de controle e fiscalização, que podem observar os possíveis abusos no pagamento de salários.
O Sindicato dos Servidores do Poder Legislativo e do Tribunal de Contas (Sindilegis) já se manifestou contrário à divulgação nome a nome, e diz preparar uma “batalha jurídica” para derrubar o ato. O presidente da entidade, Nilton Paixão, também alega questão de segurança pessoal: “Divulgar o nome do servidor com a respectiva remuneração pode expor toda a família a um risco desnecessário”.
Já o presidente da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Ophir Cavalcante, ressalta que “a insegurança no Brasil é um problema social grave que independe de salários altos ou baixos”. Ophir acrescenta que o interesse coletivo deve superar o individual. “Quem paga esses salários é o povo, e o patrão tem o direito de saber o que está pagando”, afirma.
Presidente da ONG Transparência Brasil, Cláudio Abramo refuta o argumento da privacidade. “Não é interesse público saber o salário de um trabalhador privado, mas, no caso do servidor público, quem pagamos somos nós”, comenta. Da mesma forma, o professor de direito administrativo e público da UnB Márcio Pestana acredita que a liberação dos salários e dos nomes dos servidores privilegia o princípio da privacidade, também descrito na Constituição. “A palavra de ordem do século 21 é a transparência, e ela deve se sobrepor ao interesse individual”, destaca. “No instante em que um servidor prestou concurso, ele assumiu a ciência de que faria parte de uma entidade pública, que deve ser transparente nos atos que comete”.
Conflito
Tanto a defesa quanto os ataques à divulgação do nome e do salário dos servidores se baseiam em princípios da Constituição. O argumento contrário à medida segue o artigo 5°, o qual indica que “são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas”. Já a alegação de quem defende o acesso aos dados completos recorre ao artigo 37 da Carta Magna: “A administração pública direta e indireta de qualquer dos poderes obedecerá aos princípios de legalidade, da impessoalidade, da moralidade, da publicidade e da eficiência”.
Fonte: Correio Braziliense