16

jul/2012

O Titanic e o Funpresp

Por *Floriano Martins de Sá Neto

Em um jantar em 10 de junho de 1907 na cidade de Londres foi decidida a construção dos três maiores navios transatlânticos do mundo, dentre eles o Titanic. Durante sua viagem inaugural, em 1912, chocou-se com um iceberg no Oceano Atlântico, afundando horas depois. Com 2.240 pessoas a bordo, o naufrágio resultou na morte de 1.523 pessoas, hierarquizando-o como uma das piores catástrofes marítimas de todos os tempos.

Passaram-se 100 anos e um episódio recente nos remete a uma triste analogia: a criação da Funpresp, “filho de um ressuscitado” Projeto de Lei de 2007, que institui a Fundação da Previdência Complementar dos Servidores Públicos. Pergunto: estaremos, novamente, diante de um novo e imponente transatlântico, a desbravar os “mares do Regime Próprio”. Seria este, assim como aquele de 1912, indestrutível, inabalável?

Antes de responder a essas questões é importante fazer um adendo sobre os muitos erros que permeiam esse Fundo, sobretudo os difundidos a opinião pública, que embora distorcidos, parecem ser de fundamental importância para a sua aprovação.

A Funpresp vai finalmente resolver a necessidade de financiamento da previdência do servidor público?

Estamos aqui diante de uma enorme controvérsia, pois ao longo dos anos o governo, o Congresso, os setores financeiros, boa parte da mídia, e até mesmo a sociedade e muitos servidores públicos foram convencidos de que o sistema previdenciário, basicamente o mesmo dos tempos do Império, era deficitário e injusto. Houve uma idealização de que o Regime Próprio (RPPS) era objeto de regalia, responsável, inclusive, pelas mazelas enfrentadas pelo Regime Geral (RGPS) e pela crônica falta de investimento público. Pode?

Tentando ratificar esse ideário, o MPS e a Fazenda vêm afirmando que com a criação da Funpresp o dito déficit do Regime Próprio provavelmente comece a cair a partir de 2030 e, em 2040, já deva estar zerado. Eis aqui uma ilusão, uma informação totalmente errônea. Pelo menos para os próximos 30 anos os efeitos financeiros deste Projeto, agora Lei, acabariam por aumentar a necessidade de financiamento público, e não diminuir como afirmam. O entendimento é simples: a despesa dos atuais aposentados e pensionistas e daqueles servidores que vierem a se aposentar daqui a 30 anos ou mais continuará situada como despesa pública, e a União, por sua vez, deixará de recolher para o sistema previdenciário público as contribuições dos novos servidores, assim como esses também deixarão de aportar suas contribuições para a previdência pública, acima do teto do INSS, haja vista a presença atuante do Fundo.

Outra ideia muito divulgada mais pouco fundamentada é a de que o Fundo funcionará como uma poupança, garantida ao servidor no limite da capitalização da sua contribuição e da do empregador, por uma taxa de juros mínima. As regras da Previdência Complementar Privada e o disposto no Art. 40 da CF nos mostra que tais recursos serão geridos por um Conselho Gestor que aplicará as reservas em um portfólio financeiro avalizado pela Comissão de Valores Mobiliários, remetendo todo o montante aos riscos de mercado. E quando se trata de aplicações no mercado, não há garantia de que no longo prazo esses rendimentos sejam superavitários, podendo ser nulos ou mesmo negativos.

Assim, o primeiro paradigma a ser quebrado é o de que um Fundo Privado, afastado de características previdenciárias, seria o redentor da previdência social do servidor público. Só o tempo dirá se a missão a ser cumprida (e a que custo?) e se seus “passageiros” terão uma velhice digna e sem sobressaltos.

Que tipo de servidor, passageiro desse novo “Titanic”, o Estado quer que faça parte do serviço público? Aquele vocacionado e que até por impedimento legal não se dedicava a outra atividade profissional, será coisa do passado? A verdade é que assistiremos, cada vez mais, o ingresso de servidores que desperdiçarão boa parte de seu tempo a verificar o vertiginoso “sobe e desce” das bolsas de valores e a oscilação da economia, num exercício diário de projetar o futuro de suas finanças.

O futuro dos servidores será consumido pela incerteza. Terão eles a garantia de uma aposentadoria digna? A Funpresp tem instrumentos suficientes para transpor os “icebergs” que surgirão? O teto do INSS, que hoje representa cerca de sete salários mínimos, será capaz de garantir a vida pós laboral desses servidores, principalmente daqueles que ganhavam mais que R$ 3.916,20 na ativa? Quais as garantias de manutenção do mesmo padrão?

Registra-se aqui a principal queixa do servidor público. É, de fato, inevitável a mudança do sistema de aposentadoria dos servidores? Por que não usar o mesmo modelo dos Bancos Estatais e empresas públicas? Porque a insistência em negar (veto) a participação do servidor na sua gestão, a exemplo dos congêneres citados? Será que o mercado é o melhor gestor desta que será a maior poupança previdenciária do Brasil?

São perguntas com difíceis respostas. Mas uma coisa é certa, esta aberta a temporada de incertezas na vida ativa e inativa do servidor público, é só o futuro mostrará o tamanho do “iceberg” no caminho desse transatlântico e se seu comandante (governo) e tripulação (mercado) serão capazes de fazer funcionar a Funpresp, levando seus passageiros (servidores públicos) a uma viagem segura.

O “Titanic” que estamos colocando em nossas águas é até mais robusto que aquele lançado há 100 anos, mas os “icebergs”, as tempestades vindouras e os diretamente atingidos, são em proporção e em números, bem mais elevados. Agora, nos resta torcer para que esse Fundo não “leve para o fundo”, os anos de luta, as conquistas constitucionais.

 *Floriano Martins de Sá Neto é Auditor Fiscal da RFB e Presidente da Fundação Anfip de Estudos da Seguridade Social.

COMPARTILHAR