08

abr/2012

Drogas: está aberto o debate

Por Fernando Henrique Cardoso, César Gaviria e Ernesto Zedillo

Qual a melhor maneira de enfrentar o problema das  drogas? Criminalizando o usuário ou tratando os dependentes como  pacientes do sistema de saúde? Mantendo a ferro e fogo uma visão  proibicionista ou experimentando com diferentes formas de regulação e  prevenção?

Nos últimos quatro meses, a discussão avançou mais do  que em 40 anos. O que parecia impensável está sendo discutido à luz do  dia. Isto aconteceu por imposição da realidade e pela coragem dos  presidentes Juan Manuel Santos, da Colômbia, Otto Perez Molina, da  Guatemala, e Laura Chinchilla, da Costa Rica.

Os fatos falam por  si. Décadas de esforços imensos, liderados pelos Estados Unidos, não  levaram nem à erradicação da produção nem à redução do consumo. Enquanto  houver demanda por narcóticos haverá oferta. Os únicos que ganham com a  proibição são os traficantes.

No México e na América Central, a  violência e corrupção associadas ao tráfico são uma ameaça direta à  estabilidade democrática. Frente a este risco, criamos faz quatro anos a  Comissão Latino-Americana sobre Drogas e Democracia. Diante da  ineficácia e dos efeitos desastrosos da guerra às drogas, abrimos o  debate sobre estratégias alternativas.

Formulamos duas  recomendações. Em primeiro lugar, descriminalizar o consumo de todas as  drogas, visto que não faz sentido pôr na cadeia pessoas que usam drogas,  mas não causam dano a terceiros. Podem causar danos a si mesmos e a  suas famílias, mas persegui-los não os ajuda a se livrarem das drogas.

Droga  é um problema de saúde pública. Tratar os dependentes como criminosos  só dificulta o acesso ao tratamento. O primeiro objetivo de uma política  antidrogas deve ser proteger os jovens, prevenindo o consumo que leva à  dependência. Isto se faz mediante educação, tratamento e reintegração  social.

O poder repressivo do Estado e a pressão da sociedade  devem se concentrar na luta contra os narcotraficantes, sobretudo os  mais violentos e corruptores, não em perseguir jovens ou doentes.

Nossa  segunda recomendação, mais complexa porém não menos importante para a  paz cidadã, é abrir o debate sobre modelos de regulação de drogas, como a  maconha, de maneira similar ao que já se faz com o tabaco e o álcool.

Estudos  científicos demonstram que a maconha é menos danosa à saúde que o  tabaco. Regular não é a mesma coisa que legalizar. Regular significa  criar as condições para impor restrições e limites ao comércio e consumo  do produto, sem colocá-lo na ilegalidade. A redução espetacular do  consumo do tabaco comprova que a prevenção e a regulação são mais  eficientes que a proibição para mudar hábitos e mentalidades.

A  regulação corta o vínculo entre traficantes e consumidores. Como a  maconha é a droga mais consumida no mundo, sua regulação reduziria  grande parte dos enormes recursos obtidos pelo crime organizado nos  mercados ilegais, fonte de seu poder e influência.

Felicitamos aos  presidentes da Colômbia, da Guatemala e da Costa Rica por colocarem  sobre a mesa diferentes opções mais eficazes para proteger a saúde das  pessoas e a segurança da sociedade. Por sua iniciativa, o tema da droga  foi incluído na pauta da Cúpula das Américas que se reúne em Cartagena,  Colômbia, nas proxima sexta-feira (14) e sábado (15 ).

Deste  encontro de chefes de Estado não se deve esperar soluções mágicas ou  acordos imediatos sobre o que fazer. Neste momento o que importa é um  debate sério e rigoroso que permita a cada país encontrar as soluções  mais adequadas à sua realidade.

A experiência da América Latina no  combate ao narcotráfico e da Europa em saúde pública e redução do dano  causado pelas drogas, a mobilização de setores empresariais e da  comunidade científica, o anseio de paz dos jovens, tudo converge na  direção de políticas mais humanas e eficientes.

Uma mudança de  paradigma, capaz de combinar repressão ao tráfico com prioridade ao  tratamento, reabilitação e prevenção, é a melhor contribuição da América  Latina, continente que já sofreu tanto com este problema, para uma  revisão global da política sobre drogas.

A hora da mudança é agora.

FERNANDO HENRIQUE CARDOSO foi presidente da República (1995-2002).

CÉSAR GAVIRIA presidiu a Colombia (1990-1994).

ERNESTO ZEDILLO foi presidente do México (1994-2000).

Fonte: O Globo

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